1. Quando recorrer à entrevista?
O recurso à técnica do inquérito por entrevista encontra – se, directamente, relacionado com os objectivos da investigação que se pretende realizar. É um tipo de “inquérito” que se adequa aos propósitos das investigações de carácter qualitativo, dado que o seu objectivo primordial não será o de quantificar, confirmar ou inferir hipóteses.
Em investigação qualitativa, as entrevistas podem ser utilizadas de duas formas:
. Podem ser utilizadas como estratégia principal para a recolha de dados;
. Podem ser utilizadas conjuntamente com a observação participante, análise de documentos, entre outros.
Em ambas as situações as entrevistas permitem ao investigador a recolha de dados descritivos permitindo – lhe desenvolver (intuitivamente) um ideia sobre a forma como os sujeitos interpretam aspectos do mundo.
Podemos, em termos gerais, “classificar” as entrevistas da seguinte forma:
. Entrevistas predominantemente informais (entrevista clínica e entrevista em profundidade);
. Entrevistas mistas (entrevista livre e entrevista centrada);
. Entrevistas predominantemente formais (entrevista com perguntas abertas; entrevista com perguntas fechadas).
Importa, ainda, referir que as entrevistas qualitativas variam quanto ao seu grau de estruturação:
. Algumas centram – se em tópicos determinados podendo, também, ser orientadas por questões gerais. Se o entrevistador controlar o conteúdo das entrevistas de forma rígida então consideramos que esta ultrapassa o âmbito qualitativo.
. Algumas são de tal forma abertas (não estruturadas) que o entrevistado desempenha o papel “principal” quer na definição do conteúdo da entrevista, quer na própria “condução” do estudo.
Convém referir que nas entrevistas estruturadas podemos obter dados comparáveis entre os vários sujeitos. No entanto, o tipo de entrevista a adoptar dependerá, sempre, como já foi referido anteriormente, do objectivo da investigação em curso.
Podemos, ainda, utilizar diferentes tipos de entrevista em fases distintas da investigação: numa fase inicial do estudo podemos optar pela utilização duma entrevista mais livre e exploratória (de carácter mais abrangente). Posteriormente, após o trabalho de investigação, podemos sentir necessidade de uma estruturação mais “rígida” das entrevistas (de forma a obtermos dados comparáveis num tipo de amostragem mais alargada).
. Nota: a entrevista é um recurso que é, frequentemente, utilizado quando o investigador não encontra respostas na documentação disponível ou, ainda, quando esta informação não se lhe afigura como “fiável”. Pode, também, ser utilizada como forma de economizar tempo (no âmbito da investigação).
Em suma, verificamos que a entrevista pode ocorrer em situações variadas e pode, ainda, assumir diversos formatos para que se possa adequar convenientemente ao contexto no qual é inserida, assim como aos próprios objectivos que o investigador pretende atingir.
2. Algumas considerações gerais sobre a entrevista na investigação qualitativa:
. A entrevista utilizada neste tipo de pesquisa é tipicamente de índole semi – estruturada e / ou aberta;
. Na investigação qualitativa a entrevista pode ser o único método utilizado (ao longo do processo investigativo) ou pode, ainda, ser utilizada como parte integrante de um estudo etnográfico ou, até mesmo, como “complemento” a um outro método qualitativo;
. A entrevista qualitativa deve ser flexível e deve procurar ir ao encontro do ponto de vista dos participantes (na pesquisa);
. Se utilizarmos um guião para a entrevista este não deve ser muito estruturado no que respeita a sua aplicação devendo, acima de tudo, possibilitar alguma flexibilidade na formulação das perguntas;
. As entrevistas qualitativas devem ser gravadas e, posteriormente, transcritas;
. Assim como nos estudos etnográficos, as investigações que recorrem à utilização da entrevista qualitativa tendem a não utilizar a selecção “ao acaso” em termos de amostra (no que concerne a selecção dos participantes);
. A utilização da observação participante ou da entrevista qualitativa depende, em larga escala, da sua “funcionalidade” para as questões de pesquisa a serem realizadas. Contudo, devemos ter presente a ideia de que os observadores participantes conduzem, muitas vezes, entrevistas no decorrer das suas investigações.
3. A “problemática” da interacção directa (questão – chave na técnica de entrevista):
Podemos considerar a interacção directa como o “eixo central” da entrevista, na medida em que ao conduzirmos uma dada entrevista estamos, indubitavelmente, envolvidos numa situação de interacção directa ou presencial. Por esta razão, devemos prestar atenção a alguns aspectos que podem “comprometer” os nossos objectivos. A saber:
. A influência que o entrevistador pode exercer no entrevistado;
. As diferenças que, eventualmente, existem entre eles (género, idade, sociais, culturais, etc.);
. A sobreposição de canais de comunicação.
. No que respeita o 1º item, não podemos esquecer que existe, quase sempre, uma “distância” entre o entrevistador e o entrevistado que pode condicionar todo o processo de comunicação: o entrevistado pode sentir – se “inibido” ou, por outro lado, pode dar respostas que lhe pareçam ser as “esperadas” pelo entrevistador. Por esta razão, é muito importante a forma como o entrevistador formula as questões.
. Relativamente ao 2º item, facilmente depreendemos que as diferenças culturais entre os dois interlocutores podem causar sérios obstáculos à comunicação, efectiva, porque ambos são “regidos” por códigos (sócio – culturais) distintos atribuindo “valores”, “significados”, “conotações” também elas distintas às questões formuladas.
. No que respeita o 3º item, é muito importante ter em atenção o modo como se formulam as questões e, ainda, a forma como estas são enquadradas em termos não verbais: a entoação, a linguagem gestual fazem parte integrante do processo comunicativo e não podem ser, de forma alguma, descurados.
. Nota: nunca será demais referir que ao realizarmos uma entrevista vamos, desde logo, fazer perguntas sobre diferentes tipos de coisas, tais como:
. Valores – do entrevistado, de um dado grupo, de uma dada organização;
. Crenças – do entrevistador, de outros (indivíduos), sobre determinado (s) grupo (s);
. Papeis formais e / ou informais – do entrevistador, de outros;
. Relacionamentos – do entrevistador, de outros;
. Lugares;
. Emoções – particularmente as respeitantes ao entrevistador, mas também no que respeita outros (indivíduos);
. Encontros;
. Histórias.
Por todas estas razões, devemos tentar variar o tipo de questões (Kvale) e procurar, ainda, uma variação sobre os fenómenos que pretendemos questionar.
4. Proposta de elaboração de um guião para a realização de uma entrevista semi – estruturada:
O guião que a seguir se apresenta resultou do trabalho desenvolvido, em equipa, por mim e pelos colegas Bruno Miranda, Odília Leal, Teotónio Cavaco e Henriqueta Costa.
Procuramos dar a conhecer, de forma detalhada, os aspectos a ter em conta nas diferentes fases que acompanham a “realização” da entrevista, nomeadamente antes, durante e após a realização desta.
1. Antes da realização da entrevista:
. Criação de uma série de tópicos, nunca demasiado específicos (questões introdutórias, de acompanhamento, específicas, directas, indirectas, estruturadas, de interpretação, pausas e silêncios…), e sua ordenação de forma a obter uma ordem lógica das questões;
. Formulação de perguntas que nos possam ajudar a obter respostas às “questões – chave” no âmbito “geral” da investigação (devemos ter o cuidado de não as tornar muito específicas - estas questões deverão permitir perceber bem os contextos em que se movem os entrevistados, para melhor perceber a sua linguagem e códigos;
. Utilização de uma linguagem que seja compreensível e relevante para as pessoas que estamos a entrevistar;
. Criação de espaços de registo de informações de âmbito geral acerca do entrevistado (nome, idade, sexo), assim como informações mais específicas (anos de serviço, “posição” / “cargo” ocupado, etc.) – este tipo de informação será muito relevante para a contextualização das respostas dos entrevistados;
. Aquisição de material (gravador, microfone, etc.);
. Preparação de um sítio calmo e silencioso, com temperatura amena, boa luz, móveis, …) no qual decorrerá a entrevista;
. Verificação da disponibilidade dos entrevistados para a realização da entrevista, mediante um contacto prévio (neste contacto podemos proceder às seguintes diligências:
*. Informar o (futuro) entrevistado sobre os resultados que esperamos obter com a realização da entrevista;
*. Explicar a razão pela qual procedemos à sua selecção, dando a conhecer a importância do seu contributo para a investigação que pretendemos desenvolver;
*. Informar os entrevistados sobre o tempo de duração previsto para a realização da entrevista;
*. Combinar a data, a hora e o local para a realização da entrevista.
2. Durante a realização da entrevista:
. O entrevistador deve certificar-se que:
* Possui conhecimento da matéria; * é claro, com ideias seguras sobre o que pretende encontrar;
* é sensível, gentleman, aberto, crítico; * está preparado para desafios; * tem sensibilidade estética; * tem boa memória; * sabe interpretar; * tem capacidade para fazer balanços; * é paciente e persistente;
. Explicação da entrevista, esclarecendo o entrevistado sobre:
* O que pretende o entrevistador e o objectivo da entrevista; * a confidencialidade do entrevistado e das suas respostas; * a necessidade da colaboração do entrevistado, sem constrangimento de qualquer ordem;
. Manutenção de uma distância audível entre o entrevistado e o entrevistador (1 a 2 metros) – em casos de entrevista a um grupo, pode ser vantajoso subdividi-los em pequenos grupos;
. Verificação da existência de condições de privacidade do entrevistado;
. Manutenção do controle da entrevista pelo entrevistador;
. Pedido de autorização do entrevistado para proceder à gravação da entrevista;
. Valorização das respostas do entrevistado:
* Mostrando compreensão e simpatia; * usando um tom informal, de conversa, mais do que de entrevista formal; * apresentando a questão oralmente e por escrito (combinação das duas linguagens!);
. Condução da entrevista:
* início com questões fáceis de responder (para pôr o entrevistado à vontade); * ir pedindo ao entrevistado para dizer em voz alta o que está a pensar, o que pensou em fazer, se está com alguma dificuldade na resposta, …; * evitar influenciar as respostas pela entoação ou destaque oral de palavras; * pedir exemplos de situações, de pessoas ou de objectos que o auxiliem a exprimir-se; * apresentar uma questão de cada vez; * explicitação da aceitação pelas opiniões do entrevistado (entrevista diferente de exame);
. Registo com as mesmas palavras do entrevistado, evitando resumi-las, anotando, se possível, gestos e expressões do entrevistado;
. Gestão do tempo de conversação, parando antes do tempo previsto (nunca mais de 1 hora), se o ambiente se tornar demasiado constrangedor;
. Término da entrevista idêntico ao seu inicio, num ambiente de cordialidade, para que o entrevistador possa voltar (se necessário) e obter novos dados.
3. Após a realização da entrevista:
. Audição das respostas;
. Transcrição integral das respostas, num prazo muito curto, para evitar perder expressões e frases significativas;
. Elaboração de um registo, sob a forma de notas, acerca de:
* Local onde a entrevista decorreu; * modo como a entrevista decorreu, nomeadamente os aspectos alusivos ao “comportamento” verbal e não verbal do entrevistado (foi cooperante? falador? estava nervoso? etc.); * ambiente que rodeou a entrevista: sossegado /“agitado”, muita gente / pouca gente, edifício novo / edifício antigo, utilização de computadores?, etc.
. Inferir sobre o grau de liberdade com que estas (respostas) foram dadas;
. Verificação dos requisitos dos dados fornecidos pelo entrevistado: validade – comparar os dados com uma fonte externa; relevância – importância em relação aos objectivos; especificidade e clareza – referência com objectividade a dados, datas, nomes, locais, percentagens, prazos, etc.; profundidade – relacionado com sentimentos e lembranças do entrevistado, sua intensidade e intimidade; extensão – amplitude da resposta;
. Análise das respostas através de medidas estatísticas: * determinar as percentagens das opções de resposta em cada item; * calcular a moda das variáveis qualitativas; * calcular as medidas estatísticas (média, mediana, desvio padrão, desvios, …) das variáveis quantitativas;
. Preenchimento da grelha de registo;
. Segunda audição das respostas;
. Envio aos entrevistados para validação (sempre que há um guião, este deve ser validado por especialistas);
. Utilização da informação para o levantamento de hipóteses mais “seguras”, no que respeita à autenticidade das respostas obtidas (pré - análise);
. Classificação das respostas;
. Codificação (por motivos éticos - anonimato);
. Interpretação dos dados obtidos;
. Discussão dos dados, à luz da teoria.
. Elaboração de um relatório, no qual consta: * a metodologia do inquérito, incluindo a selecção da população e da amostra e a justificação, elaboração e a validação do instrumento da recolha de dados; * uma descrição da recolha e do tratamento dos dados;
. Apresentação da análise dos dados (tabelas, gráficos, resultados estatísticos, semelhanças e diferenças nas respostas dos entrevistados, padrões de declarações e correspondência com características individuais);
. Explicitação das conclusões da entrevista (síntese, resultados, reflexões, implicações, sugestões, …);
. Disponibilização dos materiais utilizados (anexos, bibliografia, dados...).
5. Recursos da unidade curricular:
5.1. Sitografia:
5.2. Bibliografia:
. Bogdan, B. & Biklen, S. (1994). Investigação Qualitativa em Educação – uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, Lda.
. Carmo, H. & Ferreira, M.M. (1998). Metodologia da investigação: Guia para Auto - aprendizagem. Lisboa: Universidade Aberta.
. Foddy, W. (1996 [1993]). Como Perguntar, teoria e prática da construção de perguntas em entrevistas e questionários. Oeiras: Celta Editora.
. Gall, M. D.; Borg, W. R. & Gall, J. P. (1996). Educational Research: an introduction. New York: Longman Publishers.
. Ghiglione, R. & Matalon, B. (2001 [1985]). O inquérito teoria e prática. (4ª ed.). Oeiras: Celta Editora.
. Ketele, J-M de & Roegiers, X. (1999). Metodologia da recolha de dados. Lisboa: Instituto Piaget.
. Quivy, R., Campenhoudt,V.,L.,(1992).Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva.